GERAL

UOL: Moraes atropela as primeiras linhas do Direito, opina Wálter Maierovitch

A análise abaixo foi publicada pelo colunista Wálter Maierovitch, pelo portal UOL.

Moacyr Amaral Santos, professor, jurista e ministro do Supremo Tribunal Federal, era conhecido por sua figura afável e modesta. Ele costumava vestir-se com terno e gravata-borboleta, e sua presença inspirava admiração entre os acadêmicos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), também conhecida como a “velha e sempre nova academia” de acordo com Goffredo da Silva Telles Jr.

Em outubro de 1967, a comunidade das Arcadas de São Francisco celebrou com entusiasmo a indicação do professor Amaral Santos para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Durante esse momento especial, ele recebeu cumprimentos dos alunos ao lado da estátua de “José Bonifácio, o Moço”, um ilustre jurista, poeta, professor e político.

‘Primeiras linhas’

Ao chamar a obra de “Primeiras Linhas”, Amaral Santos, na verdade, ensinava a teoria geral do processo (valia para o civil e penal) e como poderiam ser dados os primeiros passos, sem escorregar.

Ou melhor, ensinava sobre o juiz natural, a competência, o devido processo, com contraditório, os sujeitos processuais legitimados e o juiz imparcial. O juiz como sujeito do processo, mas superpartes para ser mantida a isenção.

O ministro Alexandre de Moraes, pelas suas atuações persecutórias no STF (Supremo Tribunal Federal), deve ter esquecido os primeiros e fundamentais passos. Com isso vive a tropeçar nas vestes talares (toga até o talo) e abraça o arbítrio.

Mais ainda, virou protagonista, é juiz e vítima ao mesmo tempo. Ocupa o lugar do Ministério Público e subtrai as iniciativas dos delegados de polícia judiciária. Subtrai competência dos juízes de primeiro grau de jurisdição (primeira instância).

Infelizmente, nos oferece episódios grotescos como o consumado no aeroporto romano de Fiumicino. Coleciona inquéritos intermináveis e para nele incluir os que o desagradam.

‘Ne procedat judex ex officio’: o passo primeiro

Como professor catedrático de processo, Amaral Santos preparou uma obra com dois volumes iniciais (o terceiro veio bem depois) para os seus alunos. Deu, como frisei acima, um significativo título, para não assustar os estudantes: Primeiras Linhas.

Nas “primeiras linhas” ensinou um “primeiro passo”: o juiz, e essa é a regra, não atua sem ser provocado, chamado. Isso quer dizer, não pode ter a iniciativa.

É um princípio universal do Direito, expresso no brocardo latino “ne procedat judex ex officio”.

Com a regra deste princípio do processo penal colocou-se fim aos sistema inquisitorial: sistema usado pela Igreja quando da sangrenta inquisição.

O processo inquisitivo cedeu lugar ao processo acusatório, também chamado de processo de partes. Aliás, é o estabelecido na nossa Constituição republicana.

Mas o ministro Alexandre Moraes atua como na inquisição. Por exemplo, ao tomar conhecimento da fanfarronice do bilionário Elon Musk — que ameaçou não cumprir determinações judiciais do STF — Moraes tomou a iniciativa, sem ser provocado pelo Ministério Público, de incluí-lo no interminável inquérito das milícias digitais antidemocráticas, aberto em abril de 2020 (inquérito 4874). Musk virou objeto de investigação.

A propósito, determina o Código de Processo Penal dever o inquérito ser concluído em 90 dias, quando o suspeito estiver solto. Prorrogações são aceitas, mas no interesse da investigação e não para virar instrumento de permanente coação e constrangimento.

Moraes tem sob controle (sem sorteio), e até por força de uma inconstitucional portaria do ministro Dias Toffoli quando presidente do STF, cerca de uma dezena de inquéritos. Todos sem prazo para conclusão, como nos tempos da Inquisição e dos Torquemadas inquisidores.

Muitos são encaminhados sem sorteio. Outros, sem sorteio e por força de prevenção, ligação, conexão, ainda que tênue.

Moraes determinou a instauração de investigações contra Musk por crime organizado, incitação ao crime e obstrução da justiça. Tudo sem indícios palpáveis, ou seja, sem justa causa. O Ministério Público, até agora, só assistiu, não pediu nada.

L’état c’est moi

Não vou repetir, mas apenas confirmar, o dito sobre Musk no UOL ontem: ganha dinheiro com fake news e não quer compromisso com o dever de vigilância das redes.

Musk finge não saber que a liberdade de expressão não é absoluta. E nas redes há necessidade de freios, em especial para tirar do ar os discursos de ódio, manifestações racistas, fascistas e até o infoterrorismo.

Para piorar, Musk virou herói de Bolsonaro, um comprovado golpista, um pária social.

O que importa, num Estado democrático de Direito, é cumprir a Constituição e as leis. Moraes, como xerife nomeado por “portaria” (uma porcaria sob o prisma jurídico) de Toffoli, pensa ser a lei e até a Constituição. E a história universal conheceu o soberano Luiz 14 que dizia: “L’État c’est moi” (“O estado sou eu”).

Moraes extrapola e até cria bizarrices. Pior, prejulga. No episódio Musk sentenciou por antecipação: “Dolosa instrumentalização criminosa”.

Poeta Horácio

O poeta romano Quinto Horácio Flaco, morto em Roma no ano 8º a.C, cunhou a famosa frase “modus in rebus” (“moderação nas coisas”). Agir com temperança, moderação e na medida justa.

Moraes é precipitado, exagera. Na verdade, Moraes ainda não vestiu a toga de juiz.

Moraes continua a usar a beca de promotor de Justiça, função, esta sim, de fiscal do cumprimento da constituição e das leis e titular da ação penal pública.

Para tais nobres e indispensáveis funções, o Ministério Pública aciona, provoca, o juiz (titular da jurisdição).

Na cabeceira da cama, seria recomendável a Moraes colocar a frase de Horácio, poeta lírico e também satírico: “Est modus in rebus sunt certi denique fines” (“possuir uma medida justa em todas as coisas”).

As informações são do UOL/WÁLTER MAIEROVITCH


Fonte terra brasil

progrestino

Adicionar comentário

Clique aqui para postar um comentário