O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai discutir em 25 de novembro se as regras da reforma trabalhista devem se aplicar aos contratos de trabalho que já estavam em vigor antes da adoção da lei, de 2017.
A questão envolve saber se empregadores continuam tendo que garantir aos funcionários direitos que foram extintos pela reforma.
O caso foi pautado para sessão plenária. O intuito é pacificar o tratamento do Judiciário sobre o tema. A questão tem sido resolvida de formas diferentes na Justiça do Trabalho, às vezes com decisões antagônicas.
Eventual decisão do TST impactará os contratos de trabalho fechados antes de novembro de 2017, quando passou a valer a reforma trabalhista.
O relator do caso é o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST. Em fevereiro, ele disse à CNN que um dos objetivos da definição sobre o tema é solucionar controvérsias visando diminuir a judicialização.
“A repetição dessas ações no Brasil inteiro apresenta decisões que podem ser inclusive antagônicas”, afirmou. “Na realidade, processos iguais devem ter soluções iguais”.
A reforma
Um dos principais conjuntos de mudanças na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), o texto da reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB).
A lei passou a dar mais importância a acordos negociados diretamente entre patrões e empregados, prevendo que esses acertos prevalecem sobre a legislação em determinados temas.
A reforma também retirou ou flexibilizou alguns direitos dos trabalhadores. São pontos como os abaixo que estarão no centro da discussão pelo TST:
- Remuneração pelo período de deslocamento ao trabalho (em caso de local de difícil acesso ou não servido por transporte público);
- Regras sobre intervalo dentro da jornada de trabalho;
- Direito à incorporação de gratificação de função;
- Descanso de 15 minutos para mulheres antes da prestação de horas extras.
Caso os ministros do TST entendam que a reforma trabalhista não pode valer de forma retroativa, direitos como os listados acima poderiam voltar a ser usufruídos pelos trabalhadores.
Especialistas, no entanto, apontam para possíveis consequências negativas em um cenário de retorno de direitos já extintos.
Ao estabelecer uma espécie de divisão entre duas categorias de trabalhadores (parte com os direitos pré-reforma e parte sem), a mudança tenderia a levar os empregadores e demitir funcionários do primeiro grupo, já que seria mais caro mantê-los empregados, em comparação ao segundo grupo.
Demanda de ex-faqueira
O caso concreto em discussão no TST é o de uma ex-faqueira do setor de abate da JBS em Porto Velho que demanda a remuneração pelo tempo em que se deslocava ao trabalho.
O pleito inclui todo o período de contrato: de dezembro de 2013 a janeiro de 2018.
De acordo com o processo, a funcionária chegava no emprego no ônibus da empresa, em um trajeto que levava cerca de 20 minutos. Ela entrava entre 5h e 5h30, horário em que não havia transporte público perto de sua casa.
A companhia dos irmãos Wesley e Joesley Batista, considerada a maior processadora de proteína animal do mundo, argumentou que a reforma trabalhista estabeleceu que o tempo de percurso não é mais considerado como tempo à disposição do empregador, impedindo seu pagamento.
A JBS também citou que o local da empresa é de fácil acesso e servido por transporte público, fatores que vedam a remuneração pelo deslocamento, e que a ex-empregada morava a apenas 5,7 km da fábrica.
Nas instâncias inferiores, a trabalhadora teve o direito do pagamento pelo tempo de deslocamento limitado até novembro de 2017, com direito ao adicional de 50% (para os dias úteis) e 100% (nos feriados e domingos) e com efeitos sobre 13º salário e férias.
A Terceira Turma do TST, porém, aplicou seu entendimento do tema e garantiu também a remuneração pelos períodos posteriores à entrada em vigor da reforma.
Pelo processo, a empresa ficou obrigada a pagar o equivalente a 20 minutos por dia de trabalho como tempo de deslocamento, por todo o período de contrato da trabalhadora.
Posição minoritária
Para o advogado Marcos Lemos, sócio da área trabalhista do escritório Benício Advogados Associados, a questão da aplicação temporal da reforma causa polêmica e ainda traz dúvidas para o meio.
Segundo ele, uma ala majoritária da Justiça do Trabalho tem entendido que a reforma vale retroativamente, alcançando os contratos de trabalho firmados antes de novembro de 2017.
“A massiva jurisprudência atual, inclusive do próprio TST, entende que o contrato de trabalho não é regido pela data em que foi formado. Essa é a visão dominante, e acho que vai acabar prevalecendo”, disse à CNN, no começo de fevereiro.
O especialista estima que de 10% a 15% das decisões judiciais sobre o tema vedam a aplicação retroativa da lei, garantindo aos trabalhadores a continuidade dos direitos revogados.
“Ainda que seja um posicionamento minoritário, a divergência jurisprudencial vem enchendo os tribunais com a controvérsia”, afirmou. “Esse processo reconhece a divergência e vai dirimir para que não paire dúvida sobre esse ponto”.
Henrique Melo, sócio do escritório NHM Advogados, tem opinião semelhante. Para ele, não há margem para interpretar a aplicação das normas da reforma só aos contratos posteriores à lei. “Senão, vai criar uma diferenciação entre empregados que não tem razão de existir”, disse à CNN.
“Quando se discute uma alteração que é legislativa e aplicada a todos os trabalhadores e eu não venho com uma aplicação que seja isonômica, o resultado prático é que esse contrato de trabalho desse grupo de empregados [anteriores à reforma] vai se tornar muito mais caro para o empregador, que vai ter um custo muito maior”, declarou.
CNN BRASIL