POLÍTICA

Marco temporal indígena volta à discussão no STF, agora em tentativa de conciliação

O marco temporal para demarcação de terras indígenas voltará a ser discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (5). O assunto será tratado dentro de uma comissão criada para se tentar uma conciliação sobre o tema.

O debate envolverá representantes dos povos indígenas, partidos políticos, Congresso, governo e entidades sob a coordenação do gabinete do ministro Gilmar Mendes. A previsão é que os trabalhos durem até dezembro.

Pelo Senado estarão presentes o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), e a ex-ministra da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro, Tereza Cristina (PP-MS). Até a publicação deste texto, a Câmara ainda não havia indicado os seus representantes.

O governo federal indicou para o grupo nomes da Advocacia-Geral da União, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e ministérios da Justiça e dos Povos Indígenas.

Participam como “observadores” Procuradoria-Geral da República (PGR), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidades e associações.

O que será discutido

O alvo da discussão é a lei aprovada pelo Legislativo que cria o marco temporal e, na prática, restringe a possibilidade de demarcação de territórios dos povos originários.

A tese do marco temporal estabelece que os indígenas só têm direito às terras que estivessem ocupando ou disputando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

A norma foi aprovada no mesmo dia em que o Supremo fixou a tese em que declara inconstitucional a tese do marco temporal em 27 de setembro de 2023.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez vetos ao projeto, mas eles foram derrubados pelo Legislativo em dezembro. A lei está em vigor desde então.

  • Leia aqui as regras para indenização a proprietários fixadas pelo STF ao derrubar a tese do marco temporal.

Por que o tema volta à discussão?

Mesmo o STF já tendo decidido que a tese é inconstitucional, o tema voltou à Corte porque partidos e entidades apresentaram quatro ações sobre a nova lei.

PP, PL e Republicanos acionaram o STF pedindo aos ministros que confirmem a constitucionalidade da norma.

Por sua vez, o PDT, a federação PT-PCdoB-PV e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolaram ações buscando a derrubada de trechos da lei – entre eles, o que criou o marco temporal.

Há ainda uma quinta ação, em que o PP pede ao STF que reconheça omissão do Congresso em regulamentar um dispositivo da Constituição que abre margem para a exploração das “riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos” em terras indígenas desde que haja “relevante interesse público da União”.

Posições

Representantes dos povos indígenas criticam o envio do caso para tentativa de conciliação. A Apib argumenta que os direitos dos povos originários são direitos fundamentais e, por isso, não são passíveis de negociação.

A entidade também disse que a comissão para debater a questão no STF foi criada “sem qualquer diálogo com o movimento indígena”.

Outro ponto de crítica é o fato de que, ao convocar a conciliação, Gilmar não suspendeu a eficácia da lei do marco temporal.

Ou seja, a norma continua produzindo seus efeitos para os procedimentos de demarcação.

A tese do marco temporal, por outro lado, é defendida por ruralistas como um meio de “pacificação” dos conflitos por terra no Brasil.

De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o instrumento garante a “segurança jurídica no campo” e assegura o “direito de propriedade” ao evitar que “milhares de famílias sejam expropriadas de suas terras”.

O governo Lula tem posição contrária ao marco temporal. Em manifestação enviada em junho ao STF, a AGU sustentou que o tema não pode ser alvo de negociação, porque a Corte já rejeitou a validade dessa tese.

Para o órgão, o tema não deve ser rediscutido e eventual conciliação entre indígenas e ruralistas deverá estar de acordo com a definição do Supremo, de que esse marco é inconstitucional.

Origem

O STF decidiu, em setembro de 2023, que o marco temporal é inconstitucional. O julgamento levou 12 sessões plenárias da Corte, desde 2021.

A decisão foi tomada em um processo com repercussão geral reconhecida. Ou seja, vale para todos os casos de demarcação de terras indígenas.

O processo tratou de uma ação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klaño.

A data da promulgação da Constituição Federal – 5 de outubro de 1988 – é o ponto central da tese do marco temporal. No artigo 231 da Carta Magna, está estabelecido o seguinte:

“São reconhecidos aos índios (sic) sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

A proposição de um marco temporal já havia sido ventilada antes, mas ganhou tração a partir de um precedente que apareceu em julgamento do próprio STF, em 2009, quando a Corte julgou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Na ocasião, os ministros entenderam que os indígenas tinham direito ao território porque estavam no local na data da promulgação da Constituição.

A partir daí, a tese passou a ser mobilizada para os interesses contrários aos indígenas: ou seja, se eles poderiam também pleitear as terras sobre as quais não ocupassem na mesma data.


CNN BRASIL