O inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF) divide opiniões desde o dia em que teve sua abertura anunciada, em março de 2019.
Tramitando há quase 5 anos e meio, sempre de forma sigilosa, as investigações já miraram empresários, políticos e usuários das redes sociais.
Designado relator do caso sem sorteio, a função colocou o ministro Alexandre de Moraes em meio à disputa política e à polarização vivida no país: alvo da extrema direita por suas decisões contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiadores, passou a contar com respaldo de partes da esquerda que consideram seu papel na defesa da democracia e das instituições.
O objetivo oficial do inquérito é apurar fatos sobre notícias fraudulentas e ameaças à Corte, ministros e familiares veiculadas na internet.
A investigação avançou sobre propagadores de desinformação e ataques às instituições, e acabou derivando em outras apurações, como o inquérito das milícias digitais.
1 – Abertura de ofício do inquérito
As polêmicas em torno do inquérito surgiram logo no começo. A iniciativa da instauração partiu do ministro Dias Toffoli, então presidente do STF.
O contexto que levou à abertura do caso era de aumento de ataques ao Supremo, com incitamento ao fechamento da Corte, ameaça de morte ou de prisão de seus integrantes e da defesa pelo descumprimento de suas decisões.
A base para abrir a apuração foi uma interpretação considerada “elástica” do regimento interno da Corte.
O documento estabelece que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.
Há também a discussão sobre a abertura de ofício do inquérito, ou seja, sem ter havido provocação de órgãos como o Ministério Público ou à polícia.
2 – Relator designado pelo presidente
Apesar de previsto no regimento, a escolha do relator por designação do então presidente da Corte é outro fator que levanta divergências.
Os questionamentos também se referem ao escopo ampliado do seu objeto, o que rendeu o apelido de “inquérito do fim do mundo” por bolsonaristas.
Conforme o despacho de abertura, o objetivo do inquérito das fake news é:
“A investigação de notícias fraudulentas (fake News), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros, bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que tem o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito”.
3 – “Violação do sistema penal acusatório”, segundo Marco Aurélio
O plenário do STF confirmou, por 10 a 1, a validade do inquérito em junho de 2020, pouco mais de um ano depois da sua abertura.
O único a divergir foi o então ministro Marco Aurélio. Ele entendeu que houve violação do sistema penal acusatório, que separa as funções da acusação e julgamento, já o procedimento não foi provocado pelo procurador-geral da República.
Segundo ele, as investigações têm como objeto manifestações críticas contra os ministros que, em seu entendimento, estão protegidas pela liberdade de expressão e de pensamento.
4- Censura aos veículos O Antagonista e Crusoé
Das diversas decisões já tomadas, uma das mais controversas surgiu com cerca de um mês de existência do inquérito, em abril de 2019.
Trata-se da censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista. Os veículos publicaram a reportagem “O Amigo do amigo do meu pai”, que liga o ministro Dias Toffoli à Odebrecht.
Moraes entendeu que o texto era um exemplo de “fake news” e mandou tirar o conteúdo do ar. Após recursos, o ministro acabou revogando sua decisão.
5- Prisão do deputado Daniel Silveira
Em fevereiro de 2021, Moraes determinou a prisão em flagrante do então deputado federal Daniel Silveira depois que ele divulgou um vídeo xingando e fazendo acusações a ministros do Supremo e fazendo elogios ao Ato Institucional número 5, o AI-5, que endureceu a ditadura militar.
Em agosto do mesmo ano, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi incluído no inquérito. A medida foi tomada a partir do recebimento de uma notícia-crime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por propagação de notícias falsas sobre a urna eletrônica.
Em uma live, Bolsonaro fez acusações sobre a confiabilidade dos dispositivos de votação.
6- Sigilo das investigações
O caráter sigilo da investigação impede que se saiba todas as pessoas que já foram alvos de apuração.
Entre os congressistas, já tiveram condutas investigadas nos inquéritos das fake news e das milícias digitais o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e os deputados federais Otoni de Paula (MDB-RJ), Cabo Júnio do Amaral (PL-MG), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PL-SP), Guiga Peixoto (PSC-SP) e Eliéser Girão (PL-RN).
Moraes também afirma que há “conexão probatória” dos dois inquéritos com as investigações dos atos de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.
7- Inquérito sem prazo para acabar
Conforme mostrou a CNN, a defesa do encerramento do inquérito das fake news passou a se acentuar nos bastidores do STF, principalmente depois das reportagens que apontaram um uso de órgão contra a desinformação do TSE para abastecer a apuração.
Uma ala de ministros avalia que o inquérito foi importante para a defesa da democracia e dos próprios integrantes da Corte. Cinco anos, no entanto, é considerado por juristas um tempo longo demais sem conclusão.
O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, já disse que o inquérito não está sendo excessivamente prolongado, mas que “são os fatos que demoram a passar”.
Barroso disse que, ao final do ano eleitoral de 2022, imaginava que o inquérito das fake news “pudesse caminhar para o seu caminho natural”, que seria a sua finalização.
“Já tínhamos conseguido o resultado principal, que era enfrentar um movimento de extrema-direita que ameaçava a institucionalidade”, afirmou ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho.
“Aí, veio o 8 de janeiro (os ataques contra os Três Poderes, em 2023), e isso reacendeu um conjunto de investigações que dificultavam a pacificação do país”, acrescentou.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, no final de agosto, Barroso afirmou que o fim do inquérito não está “distante”.
“Eu não saberia precisar uma data, não gostaria de me comprometer com uma data, mas acho que nós não estamos distantes do encerramento porque o procurador-geral da República já está recebendo o material. Caberá a ele pedir o arquivamento ou fazer a denúncia”, afirmou.
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